Entrevista ao Prof. Dr. Miguel Coelho – Médico Neurologista do Hospital de Santa Maria e ex-Presidente da SPDMov no biénio 2019 – 2021
Como surgiu o interesse pela medicina e, em particular pela neurologia?
Na realidade, o interesse pela medicina surgiu como consequência do interesse em estudar o comportamento humano. Depois, durante os primeiros anos da faculdade, achei que a psiquiatria seria a melhor via para estudar o que me fascinava no comportamento humano. Quando tive a cadeira de neurologia, que coincidiu no tempo com a leitura de um livro do Prof. António Damásio e outro do Dr. Oliver Sacks, percebi que a neurologia era o caminho certo para o que me intrigava.
As suas áreas de interesse são as doenças do movimento, vê a relevância destas doenças no panorama nacional e mundial?
As doenças do movimento conjugam actualmente duas características que as tornam muito relevantes para a sociedade e a vida das pessoas. Por um lado, algumas delas como a doença de Parkinson, estão associadas ao envelhecimento e por isso a sua prevalência aumentará muito com o envelhecimento da população mundial. O aumento da esperança média de vida também condiciona o aparecimento, ou pelo menos o aumento da frequência, de novos sintomas, e a modificação da expressão de sintomas já conhecidos, o que coloca desafios diagnósticos e terapêuticos. Por outro lado, identificam-se cada vez mais doenças do movimento com uma causa genética, e a revolução genética tem arrumado, mas também desarrumado, as classificações anteriores das doenças. Isto, acrescido das actuais e futuras terapias de base genética, terá grande impacto na sociedade e na saúde das pessoas.
É doutorado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Em que se focou a sua tese de doutoramento?
O tema da tese foram os estádios mais avançados da doença de Parkinson (“Late-stage PD”). A certa altura, percebemos que se sabia muito pouco sobre as fases mais avançadas da doença de Parkinson, enquanto cada vez mais doentes, quer pelo aumento da esperança média de vida, quer pelos melhores cuidados de saúde, atingiam estes estádios de doença. Era uma população órfã, à qual não prestávamos os melhores cuidados por desconhecermos quais os problemas relevantes nessa fase da doença.
É Coordenador da consulta de Cirurgia da Doença de Parkinson no Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Qual é o panorama em Portugal das doenças do movimento?
O interesse pelas doenças do movimento tem aumentado consideravelmente nos últimos anos, a participação nas reuniões da SPDMov é um óptimo reflexo disso. Os neurologistas estão tão capacitados tecnicamente como os nossos colegas doutros países para prestar bons cuidados aos doentes. Falta integração de cuidados que coloque o doente e a família no centro dos cuidados de saúde. Especificamente em relação à cirurgia funcional das doenças do movimento, creio que em Portugal o fazemos com muita competência e equiparável a muitos outros centros. Alguns dados sugerem que, à semelhança doutros países, nem todos os doentes que poderiam beneficiar de terapias avançadas são referenciados para tal.
É Professor Auxiliar de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Como caracteriza a sua forma de ensinar os seus alunos? O que o distingue dos outros professores?
É importante para os alunos transmitirmos conhecimentos técnicos com rigor, mostrar-lhes na prática, no gabinete de consulta, o imperativo absoluto de tratar com total empatia e respeito os doentes e as famílias que estão frágeis e em sofrimento, motivá-los para o fascínio da neurologia e incutir-lhes o gosto e a dúvida da investigação clínica.
Foi o Presidente da Sociedade Portuguesa de Doenças do Movimento entre os anos de 2019 a 2021. Como foi esta experiência e que tipo de preocupações guiaram a sua presidência?
Antes de mais, foi uma honra ter a confiança dos sócios da SPDMov para ocupar essa função. Fi-lo com imenso gosto e empenho. Houve as seguintes preocupações durante o nosso mandato: descentralizar a SPDMov, no sentido de trazer para a Direcção e para os papéis de moderador ou palestrante nas reuniões da SPDMov neurologistas fora dos habituais centros universitários; de igual forma promover para essas funções pessoas mais novas; elaborar um inquérito sobre a formação em doenças dos movimento em Portugal, cujos resultados já foram apresentados numa reunião da SPN e no congresso da SPDMov de 2022; atrair mais participantes não-neurologistas para as nossas reuniões, nomeadamente investigadores fundamentais, promovendo uma maior colaboração com a Sociedade Portuguesa de Neurociências; dinamização do site da SPDMov e criação de um canal no “You tube” da SPDMov; e fomentando que a Direcção funcionasse como uma equipa, num ambiente de entreajuda constante. A nossa actividade coincidiu com o início da Pandemia a SARS-Cov 2, e com esse acontecimento houve alocação de grande energia e foco em manter as actividades da SPDMov o mais regulares possíveis, estar próximo dos doentes através de sessões de esclarecimento sobre o impacto da pandemia nas doenças do movimento, e garantir a sustentabilidade financeira da Sociedade.
Qual a importância da SPDMov enquanto sociedade científica em Portugal?
A SPDMov é o local por excelência para a discussão em Portugal dos temas relacionados com as doenças do movimento. Ocupa um lugar central na educação contínua em doenças do movimento, e na promoção e discussão da investigação fundamental e clínica relacionado com as doenças do movimento. É ainda a principal parceira na relação com as associações de doentes.
Tem inúmeras publicações neste domínio das doenças do movimento. Quer resumidamente falar-nos de algum trabalho em particular que queira destacar?
Creio que o nosso grupo deu um contributo importante para o estudo e caracterização das fases mais avançadas da doença de Parkinson, mostrando que a doença nessa fase tem características próprias e, mais importante, isolando quais as queixas que mais impacto têm nos doentes e nos familiares.
Nas doenças de movimento existem muitas interrogações. O pintor Júlio Pomar referia que “as dúvidas são o meu material mais precioso”. Enquanto médico e investigador como encara esta procura diária por novos conhecimentos nesta área?
Subscrevo inteiramente essa afirmação. O desafio e gratificação de fazer investigação clínica é ter constantemente esse olhar inquiridor enquanto se pratica medicina, nomeadamente tentando retirar da prática médica quais as questões relevantes que necessitam uma resposta dada pela investigação clínica.
No dia 11 de abril comemorar-se-á o Dia Mundial da Doença de Parkinson. É um dia que se deve celebrar porque… é fundamental alertar a sociedade como um todo para o tema da doença de Parkinson, chamando a atenção para o sofrimento dos doentes e das suas famílias, e tentando com isso promover melhores cuidados para os doentes e a aceitação da necessidade de mais investigação nesta área. É também uma forma de homenagem aos doentes e aos seus cuidadores, dizer-lhes que não estão sós.
O que gosta de fazer nos seus tempos livres?
Um pouco de tudo! Fazer desporto, ler, ir ao cinema, ouvir música, viajar, jantar com os amigos e estar com a família.
A SPDMov tem realizado um trabalho consistente na procura de soluções para esta área. Tem feito bons “movimentos” porque… tem sabido crescer de forma responsável e sólida, não se fechando sobre si própria, com a capacidade de atrair pessoas novas e doutras áreas, por saber que as melhores soluções têm quase sempre contribuições multidisciplinares e que a renovação geracional é uma forma de olhar o futuro.
SPDMov 3/10/2022