Entrevista à Médica Neurologista Dr.ª Maria José Rosas – Chefe de Serviço e Responsável pela Unidade de Doenças de Movimento (área médica) e Cirurgia Funcional no Centro Hospitalar S. João – Porto e cofundadora da SPDMov.
Como surgiu a medicina na sua vida?
Desde muito nova, lia muitos livros sobre o corpo humano, havia umas construções em plástico que se montava tipo puzzle. Sempre me entusiasmou saber o funcionamento dos órgãos e muito especialmente o cérebro. Brincar aos médicos usando os instrumentos como estetoscópio, seringas.
Qual a motivação para a escolha da especialidade de Neurologia?
Penso que muito influenciada por um professor de Neurologia que nos dava umas aulas de semiologia tão interessantes, mimetizava nos anfiteatros as diversas marchas, as diversas síndromas.
Fazia urgências voluntárias e sempre gostei de ver os neurologistas a atuar nas crises convulsivas, a fazer diagnósticos pela semiologia. A dar conselhos aos familiares para lidarem com doenças graves.
Considera que as doenças do movimento têm cada vez mais impacto e importância na saúde em Portugal?
Com a esperança de vida a aumentar, as doenças do movimento tornaram-se mais relevantes. Também há mais conhecimento e atua-se mais cedo nestas doenças para manter qualidade de vida e preservar a atividade laboral e o contacto com família e socialmente.
É chefe de serviço e responsável pela Unidade de Doenças de Movimento (área médica) e Cirurgia Funcional num dos hospitais de referência – Centro Hospitalar S. João – Porto. Como faz o ponto da situação em Portugal das doenças do movimento?
Durante todo o meu internato de Neurologia no Hospital Santo António no Porto sempre me dediquei às doenças do movimento e os meus orientadores foram os meus grandes incentivadores nessa área. A semiologia neurológica sempre foi a minha paixão e com eles aprendi muito do que sou agora.
Já especialista continuei a organizar consultas de doenças do movimento e de distonias com aplicação de toxina. O avanço maior foi a cirurgia funcional de neuro estimulação para tratar complicações motoras e movimentos involuntários na doença de Parkinson e no tremor essencial. Iniciei no Hospital S. João há 20 anos estas cirurgias com a equipe que se mantém a crescer e que tem vindo lentamente a criar novas opções de tratamento para muitas doenças não só do movimento, mas também noutras doenças neurológicas e psiquiátricas.
Esteve na origem da Sociedade Portuguesa de Doenças do Movimento em 2009, juntamente com a Professora Cristina Sampaio e o Dr. João Massano. Como surgiu esta ideia e que importância teve para o futuro das doenças do Movimento em Portugal?
Já lá vão muitos anos, mas decidimos candidatar-nos ao triénio desta sociedade, talvez por ser um grupo mais heterogéneo, com necessidade de abranger mais pessoas e ideias novas.
A presidente nessa altura era a Professora Cristina Sampaio com ligações grandes a Nova York, a neurologistas muito dinâmicos e o Dr. João Massano a abraçar a nova geração de especialistas, sempre com ideias inovadoras não só na dinâmica informática, como na parte científica desta equipe, a elaborar cursos e apoios com outras sociedades como a neurocirurgia, a medicina interna e cardiologia, a medicina familiar e a fisioterapia.
Eu tinha o papel de vice-presidente e com esta equipe senti-me realizada ao ver crescer a sociedade e a abranger mais neurologistas jovens e com dedicação a área das doenças do movimento. As relações também com as associações de doentes foram também mais um passo em que esta equipe trabalhou.
Tem inúmeras publicações neste domínio das doenças do movimento. Quer resumidamente falar-nos de algum trabalho em particular que queira destacar?
Ao longo de toda a minha carreira aproveitei sempre as oportunidades de publicar o que nas reuniões preparava como apresentações ou cartazes, pelo que numa primeira fase sempre como primeira autora, mais tarde sempre a apoiar os internos que estavam a fazer formação comigo quer de neurologia quer de outras especialidades.
A maior número de artigos foram sendo publicados quando abracei a coordenação da Unidade de doenças de movimento com a cirurgia de neuroestimulação cerebral profunda, não só por ser uma terapêutica inovadora, como haver progressos no software, no tipo de cirurgia e nos resultados e complicações dependente desta cirurgia.
Recentemente até com o apoio da inteligência artificial publicamos a nossa casuística de distonias operadas a DBS e o mapa probabilístico nas distonias. Publicamos também vários artigos com o apoio de bioengenharia relacionados com apoios de sensores de rigidez e de marcha. Tentamos sempre incentivar e divulgar o trabalho desta equipe.
Nas doenças do movimento existem muitas dúvidas e interrogações. Isaac Newton quando olhava o vasto mar referia que o que sabia era uma gota, o que ignorava era um oceano. Enquanto médica, o que sabemos sobre as doenças do movimento, poderemos ter esperança no futuro para a cura destas doenças?
Eu não faço investigação, e como tal como médica penso que num futuro próximo não alcançaremos a cura para doenças degenerativas do SNC. Mas o nosso papel de melhor diagnosticar e tentar tratar as doenças para proporcionarmos melhor qualidade de vida aos doentes, cuidadores e familiares, é uma meta para que todos nós trabalhamos e com sucessos.
No dia 11 de abril comemora-se o Dia Mundial de Doença Parkinson. É um dia importante porque..
… consegue unir médicos, doentes, família, cuidadores, associação de doentes a falar da doença de Parkinson e o que há de novo temos no diagnóstico, tratamento, apoios de fisiatria, apoios financeiros, legislação, assim como tentar esclarecer as múltiplas dúvidas existentes em relação a esta doença evolutiva e irreversível.
O que gosta de fazer nos seus tempos livres?
Sempre gostei de cozinhar, fazer exercício, caminhadas e curtas corridas
A SPDMOV tem realizado um trabalho consistente na procura de bons Mo(vi)mentos para esta área?
Concordo inteiramente. Ao longo de todas as sociedades sempre tentaram ter um programa científico exemplar e variado e proporcionam nos locais que escolhem para a realização das reuniões que a parte de lazer tenha sempre um cunho de aprendizagem fora da área de Medicina e mais de cultura geral.
02/03/2022 – SPDMov