Ataxias

Definição/Apresentação
A palavra ataxia tem origem grega e significa “ausência de ordem”. Em Neurologia corresponde a uma síndrome que se caracteriza por alterações na coordenação dos movimentos voluntários e desequilíbrio. Pode surgir na sequência de lesões cerebelosas ou das conexões aferentes e eferentes do cerebelo (ataxias cerebelosas), dos sistemas vestibular (ataxias vestibulares) ou proprioceptivo (ataxia sensitiva).

Epidemiologia
A verdadeira prevalência das ataxias é desconhecida, uma vez que as formas ligeiras muito provavelmente não motivam recurso a consulta médica. As formas hereditárias são aquelas em que se conhecem dados epidemiológicos nacionais, estimando-se uma prevalência de 8,9 por 100000 habitantes para as ataxias hereditárias: 5,6 por 1000000 para as formas dominantes e 3,3 por 100000 para as recessivas.

Semiologia
Na observação do doente deverá ser avaliado com cuidado o discurso (frequentemente disártrico), a coordenação dos membros superiores e inferiores (provas dedo-nariz-dedo, dedo-nariz, perseguição do dedo e calcanhar-joelho), sensibilidades profundas, assim como a estabilidade postural do tronco na estação de pé ou marcha (para além do restante exame neurológico). Os doentes com ataxia apresentam frequentemente alterações dos movimentos oculares como nistagmo, sacadas hipermétricas/ hipométricas ou oftalmoplegia.
Outros sintomas/ sinais que podem surgir são alterações cognitivas, crises epilépticas, Parkinsonismo, distonia, alterações no sono, disautonomia, perda auditiva e neuropatia.

Etiologias
As ataxias podem ser adquiridas ou hereditárias. As formas adquiridas têm um leque de etiologias amplo, incluindo doenças auto-imunes, paraneoplásicas, tóxicas, infecciosas ou carenciais. As formas hereditárias podem ser autossómicas dominantes ou recessivas, ligadas ao X ou mitocondriais. Em Portugal a doença de Machado Joseph é a mais prevalente das ataxias dominantes e a ataxia de Friedreich das ataxias recessivas.

Investigação
O diagnóstico é clínico, com base na história fornecida pelo doente ou família, completado com o exame neurológico. É fundamental estabelecer o tempo de instalação da ataxia (aguda, subaguda, crónica ou episódica), uma vez que as principais etiologias, e investigação, variam de acordo com este perfil. Uma história familiar detalhada deve ser efectuada sistematicamente. Os exames complementares de diagnóstico são importantes na identificação da etiologia/causa da ataxia. Habitualmente realiza-se avaliação estrutural através de ressonância magnética ou tomografia computorizada cerebral, com análise detalhada do cerebelo e tronco cerebral. Os estudos analíticos de sangue e líquido cefalorraquidiano podem ser úteis na pesquisa de défices nutricionais, distúrbios imunológicos ou infeciosos. Nas ataxias hereditárias, e atendendo aos dados epidemiológicos nacionais, o estudo daquelas causadas por expansão de tripletos deve constituir a primeira abordagem. Nos doentes em que não se identifica uma expansão, a sequenciação de nova geração é uma opção com excelente relação custo-benefício. Outros exames poderão ser pedidos tendo em conta o padrão de apresentação e sinais associados.

Tratamento
A reabilitação (fisioterapia, terapia da fala e/ ou terapia ocupacional) é fundamental em todas as formas de ataxias. Sintomas associados como o tremor, distonia, espasticidade e depressão devem ser tratados de acordo com o estado da arte. Em algumas formas de ataxias dispomos de tratamentos modificadores da evolução da doença, como seja a tiamina na encefalopatia de Wernicke, dieta sem glúten na ataxia associada à sensibilidade ao glúten e tratamentos imunomoduladores nas ataxias auto-imunes ou paraneoplásicas. Nas ataxias genéticas incluem a reposição de vitamina E na ataxia associada à deficiência de vitamina E e abetalipoproteinemia, miglustato na doença de Niemann-Pick tipo C e dieta cetogénica na deficiência de transportador de glicose tipo 1. Estudos com riluzol mostraram uma tendência para melhorar o desequilíbrio em doentes com ataxias genéticas e tem sido recomendado pelas principais Sociedades de Neurologia. Por fim, nos últimos anos temos assistido ao desenvolvimento de terapêuticas de modificação génica, com estudo promissores em modelos animais de algumas ataxias hereditárias.

Referências

  • Coutinho P, Ruano L, Loureiro JL, et al. Hereditary ataxia and spastic paraplegia in Portugal: a population-based prevalence study. JAMA neurology 2013;70(6):746-755.
  • Sequeiros J, Martins S, Silveira I. Epidemiology and population genetics of degenerative ataxias. Handbook of clinical neurology 2012;103:227-251.
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